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“Com temerária ousadia e pouco temor de Deus e da Justiça”: clérigos sodomitas na inquisição de Lisboa (1610-1699)

Título: “Com temerária ousadia e pouco temor de Deus e da Justiça”: clérigos sodomitas na inquisição de Lisboa (1610-1699)

Autoria: Veronica de Jesus Gomes

Orientação: Georgina Silva dos Santos

Doutorado em História

Universidade Federal Fluminense – UFF

Data da Defesa: 27/06/2019

Niterói – RJ

Resumo: Durante todo o século XVII, o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa processou aproximadamente oitenta e nove integrantes dos cleros regular, secular e das ordens militares devido ao crime de sodomia. A partir da análise de um conjunto documental constituído por fontes históricas diversificadas, impressas e manuscritas, dentre estas, cinquenta e nove processos movidos contra os eclesiásticos e seus parceiros, a investigação buscou compreender as diferenças entre o clero regular e o secular e seus desdobramentos no que tange às ações inquisitoriais diante de seus membros e dos componentes das distintas ordens religiosas. Através do método quantitativo (e qualitativo), a pesquisa intentou inventariar as ordens religiosas a que pertenceram os arrolados e os conventos e os mosteiros onde viveram, ponderando ainda sobre as vocações religiosas, muitas delas não voluntárias. À luz das “relações de gênero”, procuramos averiguar os relacionamentos homoeróticos dos eclesiásticos, que, em algumas ocasiões, envolveram meninos, e foram marcados por uma forte “dominação masculina”. As culturas sodomíticas (a exemplo dos apelidos, às vezes femininos, utilizados entre aqueles indivíduos) elaboradas por homens da Igreja e leigos no interior dos claustros e das casas de alcouce, espaços do sagrado e do profano, a intensa interação entre os conventos e a rua, entre os âmbitos privado e público, uma vez que tanto os homens leigos circularam livremente pelos monastérios, quanto os religiosos, malgrado as proibições, deixaram aqueles locais, foram questões aqui discutidas. A possível concepção que os sodomitas tiveram de si mesmos, de seus corpos e de suas práticas sexuais proibidas, além da perspectiva da instituição repressiva quanto à “sodomia” e ao “sodomita”, apreendida através do léxico utilizado nos processos, foram outros aspectos contemplados. As diferentes facetas dos homens da Igreja sugerem que reelaboraram e burlaram os mecanismos de controle a que estavam sujeitos, demonstrando que, apesar dos dispositivos de “disciplinamento social”, houve uma “rede de antidisciplina”, que, por fim, deixa entrever que os sistemas normativos têm os seus limites e as suas contradições. A sodomia como estratégia de ascensão social, as relações de poder, as contendas, as rivalidades, revelam um contexto complexo no qual se inserem as trajetórias de três oficiais do Tribunal da Bula da Cruzada (dois deles condenados à fogueira), cujo principal elo foi D. António Mascarenhas, comissário geral da instituição, acusado de sodomia e de corrupção. O Tribunal da Cruzada, criado em 1591, era eclesiástico e administrava os rendimentos da bula, cujas indulgências davam aos cristãos ibéricos as mesmas graças espirituais facultadas aos cruzados que lutaram na retomada de Jerusalém. A venda das bulas era um negócio cobiçado e vantajoso, que favorecia ganhos materiais, isenções fiscais e privilégios, bem como distinção e prestígio social, aos oficiais que se envolviam em sua distribuição e arrecadação, elementos que, numa sociedade estamental como a portuguesa do Antigo Regime, obviamente, geravam muitas disputas, além dos desvios das coletas. A ocupação de certos cargos no tribunal por indivíduos não qualificados mostra que aparentemente foram obtidos em troca de favores sexuais, o que sugere que as prerrogativas recebidas pelos oficiais podem ter sido decisivas para a concretização das relações. O imbróglio, ao que tudo indica, envolveu conflitos internos e externos ao grupo e dissensões vivenciadas por D. António parecem indicar que o crime de sodomia pode ter sido utilizado como uma espécie de dispositivo para tirar de cena adversários políticos. Afinal, o medo que o tribunal inquisitorial causava e o lugar ocupado pelos seus ministros e oficiais facilitavam os abusos de poder como forma de coerção e vingança, além do sentimento de impunidade perante outras forças judiciais.

Palavras-Chave: Inquisição de Lisboa; Sodomia; Clérigos; Portugal.

Fonte: Catálogo de Dissertações e Teses Capes

Acesse o trabalho completo clicando aqui

Posted in 2019, RJ, tese, UFF

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